Francis Irina Salazar Arevalo tem 41 anos. Venezuelana e brasileira. Mãe e filha. Com o coração partido em dois, empreendeu sozinha numa aventura chamada emigração. Em São Paulo desde agosto de 2018, ela contou com o apoio da ONG Estou Refugiado para se recolocar no mercado de trabalho. 

De acordo com o Ministério da Justiça, em 2020 o Brasil aprovou 26.810 pedidos de refúgio, sendo que 95% deles foram de venezuelanos (25.735, no total). Desde 2019, o país passou a reconhecer a Venezuela como local de “grave e generalizada violação de direitos humanos”, o que permite um trâmite mais célere nas solicitações. 

Mais de 262.000 refugiados e migrantes da Venezuela moram em 630 cidades do Brasil, o que aponta para ser a maior comunidade estrangeira aqui. Mas o total no país é ainda uma pequena fração quando comparado à massa de 5,5 milhões que já saíram para outros países, especialmente para a Colômbia, Peru e Chile.

Em agosto de 2020, Francis narrou sua história em um diário durante um mês, para contar suas experiências como mulher e refugiada no Brasil. Seu material, publicado pelo jornal Folha de São Paulo, é intimista, com diversos trechos destacáveis, mas um dos mais bonitos resume bem a complexidade que envolve as escolhas do emigrante: “a necessidade de poder sustentar minha família me levou a partir meu coração. Deixar o que mais amo para poder salvá-lo”.

O que fez você deixar a Venezuela?

Eu saí de meu país procurando emprego para sustentar a alimentação e assistência médica dos meus filhos e meus pais. Somos três irmãos, mas eu sou a única que saiu do país até agora. 

Você veio sozinha?

Sim. Meus dois filhos, Jorge, de 12 anos, e Emily, de 5 anos, ainda moram com meus pais, que são aposentados. Eles moram na cidade de Pariaguán, no estado Anzoategui, na Venezuela. É uma cidade bem pequena, em que quase todos se conhecem, principalmente pelo nome de família. 

Qual foi o estopim que fez você tomar essa grande decisão?

O dia em que minha filha ficou doente e, por conta dos altos preços dos remédios, não pude comprar o remédio da pressão do meu pai naquele mês. Meu pai também tem câncer de próstata. Chorei de impotência, tristeza e frustração. Não é justo ter que escolher entre dois seres que amo. Nesse dia tomei a decisão mais dura da minha vida. 

Qual foi a parte mais difícil da despedida?

Me segurei muito para não chorar. Meus pais não me olhavam, para evitar a dor. Selamos um pacto de que eles cuidam dos meus filhos e eu lhes envio dinheiro para todos os gastos. 

Como foi sua chegada ao Brasil?

Passei três dias entrando e saindo enquanto fazia minha documentação, depois entrei em um abrigo de mulheres em Boa Vista. Foi através da Operação Acolhida [do Governo Federal] que fui escolhida para ir para São Paulo.

Como foi seu primeiro emprego?

Meu primeiro emprego foi como promotora em um projeto realizado no Museu Bienal, pela ONG Estou Refugiado. Foi quem me abriu as portas, são uma equipe incrível. Eles conseguem mudar a vida das pessoas. Depois tive outros empregos, como auxiliar de cozinha, assistente comercial e na área de limpeza. Agora, que enfim tenho um emprego fixo, que a Estou Refugiado me apoiou para entrar, consegui alugar um espaço para mim, o que é ótimo. Por conta da pandemia, estou na espera da abertura da fronteira para poder trazer meus filhos para morar comigo e refazer nossas vidas juntos.

Qual é sua formação profissional?

Me graduei como advogada e como administradora e sou apaixonada pela minha carreira desde o primeiro dia. Mas, chegando no Brasil, tive que esquecer quem fui e me reinventar. 

Você pensa em validar seu diploma?

É um sonho para o futuro. Hoje, lidar com os gastos e trâmites, enquanto você trabalha para manter seus filhos em um país em ditadura e cobrir seus gastos fora, não é nada tão simples.

Do que você mais sente falta?

Da minha família e também do clima. Na Venezuela o clima é tropical. Conheci o frio no Brasil.

O que você acha mais parecido entre os dois países?

O gosto pelas reuniões em família, estar junto mesmo. É muito parecido.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/12/diario-de-uma-refugiada-leia-o-caderno-traduzido-na-integra.shtml