Vítimas do racismo e da xenofobia, refugiados africanos enfrentam obstáculos diários para se integrar à sociedade brasileira. A pandemia do coronavírus agravou essa situação, levando lideranças do movimento negro brasileiro a defenderem uma agenda pública comum entre as populações negra e refugiada no país.

O assunto foi discutido na quarta-feira, 21 de outubro, em live promovida pela ONG Estou Refugiado, que reuniu Preto Zezé, presidente da CUFA (Central Única das Favelas) Global, Preta Ferreira, uma das lideranças do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), e os refugiados Alphonse Nyembo e Prudence Kalambay, ambos do Congo, e Lara Lopes, de Moçambique.

“A gente [refugiado africano] sofre as duas coisas. Não só racismo, mas tem também xenofobia. A gente está sempre na luta para tentar se integrar, conseguir essa conexão com o povo brasileiro”, afirmou Alphonse Nyembo.

No mesmo sentido, Prudence Kalamby relata que “Nós, africanos, encontramos no Brasil essa guerra racial”. Lembrou que em seu país não era chamada de “mulher negra”, mas simplesmente pelo nome, e era vista como todo mundo. “Aqui no Brasil a cada pouco tempo sofro racismo e xenofobia.”

Na live conduzida pela diretora da Estou Refugiado, Luciana Maltchik Capobianco, Preto Zezé defendeu uma agenda pública que seja do interesse da população preta. “No Brasil, se construiu um racismo à brasileira. Todo mundo assume que existe, mas ninguém assume que pratica.” 

Para ele, criou-se no Brasil a falsa ideia de que o povo escravizado por 388 anos “tem que ser inviabilizado e criminalizado para sempre”. Ele defende a reversão dessa lógica, de forma que a população negra mostre sua beleza, inteligência, competência e alegria. Qualidades que, na sua opinião, estavam ali representadas, na diversidade dos convidados.

“Não somos problema, somos emoção. Não somos tragédia, somos potência. A gente precisa romper esse cativeiro mental que, muitas vezes, até o campo progressista nos impõe”, disse Preto Zezé, que está à frente de um movimento para levar condições de conectividade a mães moradoras de favelas.

Lara Lopes relata que, além de racismo e xenofobia, sofre, ainda, preconceito pela orientação sexual. “Nossa dificuldade começa porque, muitas vezes, o brasileiro não sabe o que é ser refugiado. Ainda ser negro, a dificuldade é em dobro. Imagina ser negra, refugiada e lésbica”, diz. 

Avalia que as instituições que trabalham com imigrantes deveriam ensinar os setores que empregam a como lidar com essa população. “É uma luta enorme, porque muitos brasileiros não aceitam, por exemplo, que o refugiado tenha direito ao auxílio emergencial da pandemia.”

Preta Ferreira considera a pandemia um “apartheid”, na qual quem está morrendo e continua escravizado é o povo preto e periférico. Ela diz que o Brasil abriu as portas para os refugiados, mas não lhes dá as garantias constitucionais, como moradia e acesso à documentação. Por isso, muitas vezes, movimentos de moradia acabam fazendo trabalho do governo junto aos refugiados, ajudando-os a encontrar trabalho e mostrando como é viver no Brasil.

O que existe no Brasil, para Preta, é um genocídio. “Segundo pesquisas, aqui no Brasil a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado pelas mãos da polícia racista do estado, que propicia esse genocídio da população preta. Digo mais: esses 23 minutos estão diminuindo. Na pandemia, a violência policial aumentou nas favelas.”

A fundadora e diretora da Estou Refugiado disse que, embora o Brasil receba imigrantes de cerca de 90 nacionalidades diferentes e de ser visto como um país acolhedor, na prática são grandes as barreiras enfrentadas pelo refugiado para viver aqui. Explicou que a entidade trabalha para inserir o refugiado no mercado de trabalho digno. Defendeu iniciativas de grandes empresas de fixar cotas para negros, mas disse que, ainda que sejam praticadas por uma década, as injustiças não serão corrigidas.

A Live completa está no canal da TV Democracia no YouTube. Assista: