A polêmica em torno do lançamento do processo seletivo de trainees para candidatos negros, anunciado pelo Magazine Luiza, mostra como a cultura inclusiva no mercado de trabalho ainda precisa ser discutida pela sociedade, embora seja tendência crescente entre as grandes empresas. 

Levantamento realizado pelo Instituto Data Zumbi para o Movimento Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial mostra que mais de 64% de profissionais negros já sofreram algum tipo de discriminação no trabalho em razão da cor da pele. Além disso, pesquisas mostram que essa população é mais afetada pelo desemprego.

A diferença da taxa de desemprego entre brancos e pretos no Brasil aumentou com a pandemia da Covid-19 e atingiu seu maior nível desde 2012, ano de início da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).

Segundo a pesquisa, no segundo trimestre deste ano a taxa de desemprego geral ficou em 13,3%.

O impacto da pandemia na ocupação profissional por cor da pele é claro. O índice entre pretos ficou em 17,8% e entre pardos, 15,4%. Já entre brancos, a taxa registrada foi bem menor, 10,4%.

Candidatos negros

Em 18 de setembro, o Magazine Luiza anunciou que o programa de trainees de 2021 aceitará apenas candidatos negros. O objetivo declarado é aumentar a diversidade para os cargos de liderança da companhia.

O Magalu tem, atualmente, 53% de funcionários pretos e pardos, mas apenas 16% deles estão em cargos de liderança.

A iniciativa sofreu críticas. A juíza do Trabalho Ana Luiza Fischer afirmou no Twitter que considera “discriminação na contratação em razão da cor da pele”, mas apagou o comentário posteriormente.

Vice-líder do governo na Câmara dos Deputados, o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ), decidiu entrar com representação no Ministério Público contra a empresa. O presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, também classificou a decisão como “racismo”.

Por outro lado, advogados, personalidades e representantes do movimento negro elogiaram a decisão do Magazine Luiza. O Movimento Ar – grupo criado pela Universidade Zumbi dos Palmares e pela ONG Afrobras – afirmou, em nota, considerar a ação da empresa uma “manifestação de coragem e compromisso com o alcance da igualdade racial”.

Constitucional e necessária

Na sequência da repercussão, a presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), juíza Noemia Aparecida Garcia Porto, afirmou à Folha de S.Paulo que a iniciativa do Magazine Luiza é constitucional e elogiável.

“A iniciativa privada assumir o protagonismo em uma ação afirmativa de inclusão, de cota racial, é não só permitido como está dentro do que a própria Constituição brasileira prevê”, disse. 

A juíza cita o artigo 3º da Constituição, segundo o qual é responsabilidade da República Federativa combater todos os preconceitos. Cita, ainda, o artigo 5º, no qual o racismo é considerado crime inafiançável.

Para ela, embora seja obrigação dos três Poderes instituir fórmulas de correção da desigualdade, uma ação nesse sentido partindo da iniciativa privada “tem que ser celebrada”. 

Além da manifestação da presidente da Anamatra, advogados também defenderam a legalidade de programas de trainee exclusivos para negros. O argumento também é que iniciativas como esta cumprem norma constitucional e estão amparadas pelo Estatuto da Igualdade Racial.

“Queremos desenvolver talentos negros, atuar contra o racismo estrutural e ajudar a combater desigualdade brasileira”, afirma a diretora executiva de Gestão de Pessoas da Magalu, Patrícia Pugas.

Podem participar formados entre dezembro de 2017 e dezembro de 2020, em qualquer curso superior. O salário é de R$ 6.600,00. As inscrições podem ser feitas até 12 de outubro clicando aqui.

Outras empresas

A empresa não está sozinha nesse caminho. A Bayer, multinacional alemã, lançou o programa “Liderança Negra”, abrindo vagas para jovens negros graduados ou pós-graduados entre dezembro de 2017 e dezembro de 2020.

A duração do programa é de 18 meses e a remuneração, de R$ 6.900,00. As inscrições podem ser feitas até 21 de outubro, neste link

A P&G, companhia de bens de consumo, também abriu inscrições para processo seletivo online de estágio gerencial e para programa de desenvolvimento de estudantes negros.

O programa é válido para qualquer curso de graduação com data de formação entre dezembro de 2021 e dezembro de 2022. As inscrições foram encerradas em 16 de setembro.

A Dell, multinacional de tecnologia, lançou em agosto a Cartilha da Diversidade, com o objetivo de estimular ações inclusivas na empresa.

Diversidade e inclusão

Pesquisas mostram que a valorização da diversidade no ambiente empresarial, além de cumprir uma responsabilidade social da empresa, leva à melhoria dos seus lucros e resultados finais.

Mostram, também, que empresas com diversidade étnica e racial têm funcionários mais engajados e com rendimento maior.

Em um país com população marcada por tanta diversidade como o Brasil, empresas que investem mais em uma equipe multidisciplinar cumprem um papel social importante. 

Um dos maiores desafios atuais é a inserção no mercado de trabalho das pessoas que chegam ao país em busca de refúgio, fugindo de guerras, conflitos religiosos, ameaças de morte e outras crises.

O Somamos trabalha para levar emprego formal a estas e outras populações. Anuncie uma vaga e some com a gente!